EXPOSIÇÃO
OCUPACIONAL AO BENZENO EM TRABALHADORES DO COMPLEXO
PETROQUÍMICO DE CAMAÇARI, BAHIA
|
Fórmula estrutural do Benzeno |
RESUMO
O
presente trabalho constitui-se em um estudo de
prevalência, realizado a
partir de dados hematimétricos referentes a 7.356
trabalhadores
de nove empresas do
Complexo Petroquímico de Camaçari, Bahia. Do total
de trabalhadores avaliados, 216
deles (2,9%) apresentaram valores leucocitários abaixo de 4.000
e/ou número de neutrófilos abaixo de 2.000. Para
estes últimos,
caracterizou-se evidente exposição ocupacional ao benzeno, sendo
que todos foram afastados da exposição e encaminhados para
investigação hematológica mais aprofundada. O
presente estudo permitiu evidenciar o valor do
método de vigilância epidemiológica na inspeção
trabalhista dos ambientes
de trabalho.
INTRODUÇÃO
A
intoxicação pelo benzeno ou benzenismo é o conjunto de
manifestações clínicas e/ou sinais laboratoriais
compatíveis com os
efeitos da exposição ao benzeno em trabalhadores de
empresas que o produzem, transformem,
distribuem, manuseiem ou consumam. (1)
O
benzeno é um hidrocarboneto cíclico aromático,
líquido, incolor, volátil,
com odor agradável e altamente inflamável. É produzido,
principalmente, pela destilação do petróleo ou na siderurgia (como
produto secundário do coque). É
utilizado nas indústrias químicas como matéria-prima para
fabricação de plásticos e outros compostos orgânicos e, nas
indústrias da borracha e de tintas e vernizes
como solvente. No setor sucroalcooleiro,
o benzeno é
utilizado para a produção do álcool anidro. Pode
ser encontrado, também, como constituinte de vários derivados de
petróleo (aditivo da gasolina em alguns países).
A
intoxicação humana pelo benzeno pode ocorrer por três vias de
absorção: respiratória (aspiração por vapores), cutânea
e digestiva. A via respiratória é a principal, do ponto de vista
toxicológico, sendo retido 46% do benzeno inalado. Uma vez
absorvido, quase imediatamente é eliminado em 50% pelos pulmões.
O benzeno que permanece no corpo, distribui-se por vários tecidos.
Na intoxicação aguda, a maior parte é retida no
sistema nervoso central, enquanto que na intoxicação crônica
permanece na medula óssea (40%), no fígado (43%) e nos tecidos
gordurosos (10%). Após sua absorção, parte do benzeno distribuído
pelo organismo é metabolizado pelos microssomas do fígado
e cerca de 30% é transformado em fenol e em derivados como
pirocatecol, hidroquinona e hidroxiquinona, os quais são
eliminados pela urina nas primeiras horas até 24 horas após
cessada a exposição.(2, 3, 4)
As
intoxicações agudas, em geral acidentais e graves,
caracterizam-se
sobretudo pelos seus efeitos narcóticos (tontura, desmaios,
narcose e coma). A dose letal oral varia de 50 a 500 mg/kg,
sendo que a inalação de
20.000 ppm
é
fatal entre
5
e 10
minutos. (5, 6)
A
exposição prolongada ao benzeno provoca diversos
efeitos no organismo
humano, destacando-se entre eles a mielotoxidade, a genotoxidade
e a sua ação carcinogênica. São conhecidos, ainda, efeitos
sobre diversos órgãos como sistema nervoso central, e os sistemas
endócrino e imunológico. No
entanto, não existem sinais ou sintomas típicos da intoxicação
crônica pelo benzeno. As manifestações
neurológicas são leves e bem toleradas. Pode
ocorrer, também, toxicidade hepática e renal,
mas os efeitos sobre o
sistema sangüíneo são os mais importantes. (7, 8, 9, 10, 11)
O efeito mais grave do benzeno sobre a medula
óssea é a sua depressão generalizada
que se manifesta como redução de eritrócitos, granulócitos,
trombócitos, linfócitos e monócitos. A neutropenia
e a leucopenia tem
sido os sinais de efeito observados com mais
freqüência entre os trabalhadores expostos ao benzeno. Também
são sinais hematológicos de efeito as alterações
qualitativas nas células sanguíneas tais como macrocitose,
pontilhado basófilo, diminuição da segmentação dos neutrófilos
e presença de microplaquetas. O aumento
do Volume
Corpuscular
Médio (VCM)
e a linfocitopenia tem sido consideradas
alterações precoces do benzenismo. (12,13).
É
importante assinalar, ainda, que há relação causal comprovada
entre a exposição ao benzeno
e a ocorrência de leucemia, especialmente a leucemia mielóide
aguda e suas variações, entre elas a eritroleucemia e a
leucemia mielomonocítica. (14, 15, 16, 17, 18)
O
COMPLEXO PETROQUÍMICO DE CAMAÇARI - COPEC
Atualmente
respondendo por mais da metade da produção brasileira de
petroquímicos e considerado em seu gênero o maior complexo da
América Latina, o COPEC constitui um conglomerado de empresas
para produção e processamento de químicos
diversos, utilizando
basicamente a nafta produzida pela Refinaria Landulpho Alves
(Petrobrás). (19)
A
maioria das empresas entrou em operação a partir de 1978,
sendo que os primeiros casos de benzenismo em
trabalhadores do COPEC foram
observados em 1985, quando a FUNDACENTRO/Bahia
realizou um estudo na
central de tratamento de efluentes, que resultou no afastamento de
12 trabalhadores com suspeita de mielopatia ocupacional. Mais
tarde, em 1990, ocorreram dois óbitos comprovadamente relacionados
à exposição ocupacional ao benzeno em uma mesma empresa
processadora de benzeno. Esses
dois casos, um caso de aplasia medular em um médico do
trabalho e um caso de leucemia mielóide crônica envolvendo
um operador de processo, foram o evento sanitário
desencadeador do processo de investigação epidemiológica
desenvolvido por Médicos do Trabalho da Delegacia Regional
do Trabalho no Estado da Bahia. (20)
Diante
do exposto, o presente trabalho teve como objetivo estudar a
ocorrência de benzenismo entre trabalhadores do Complexo
Petroquímico de Camaçari, Bahia. Além
de identificar casos precoces de benzenismo,
o estudo buscou
desenvolver e aprimorar condutas e instrumentos de
fiscalização trabalhista na área de segurança e saúde
no trabalho, compatíveis com a complexidade da indústria
petroquímica.
MATERIAL
E MÉTODO
O
presente trabalho constituiu-se em um estudo de prevalência,
realizado durante o ano de 1991 a partir da análise de dados
hematimétricos referentes a 7.356 trabalhadores de nove diferentes
empresas do COPEC. Entre as
empresas estudadas, uma produzia benzeno, cinco utilizavam-no
como matéria-prima, uma utilizava-o como solvente, uma era
a central de
manutenção industrial, e uma
era a
central de
tratamento de efluentes.
O
hemograma completo com contagem de plaquetas foi utilizado
como indicador biológico de efeito da exposição ao benzeno,
na medida em que revela os valores hematimétricos do
indivíduo naquele momento, que podem indicar agressão da medula
óssea. Neste sentido, numa primeira triagem, foram classificados
como “suspeitos” todos os trabalhadores que apresentaram valores
leucocitários abaixo de 5.000 e/ou neutrófilos abaixo de 2.500.
Posteriormente, para cada um destes trabalhadores foram realizados
três novos hemogramas, com intervalo de 15 dias. Numa segunda
triagem, após análise da história ocupacional e
da série histórica dos
exames hematológicos, foram
classificados como
“caso epidemiológico” todos os
trabalhadores que apresentaram valores leucocitários
abaixo de 4.000 e/ou valor de neutrófilos abaixo de 2.000,
e/ou valores decrescentes ao longo do tempo observados nas
séries históricas de hemogramas.
Após
a definição desses critérios e a adoção de um protocolo
de investigação (21), os exames hematológicos
foram revisados e classificados
por quatro Médicos do Trabalho, os próprios autores do
trabalho. As
séries históricas de exames hematológicos e dados
de prontuários médicos
foram processados na DATAPREV/Bahia.
RESULTADOS
E DISCUSSÃ0
Com
relação às características da população estudada, pode-se
dizer que constituiu-se em um grupo de
trabalhadores jovens - com menos de 40 anos de idade e do sexo
masculino. Quanto à lotação na empresa, 38,7%
dos trabalhadores estavam no setor de produção, 31,3% na
manutenção e 30% na
administração.
Em seu conjunto, das
nove empresas estudadas, foram analisados hemogramas
de 7.356 trabalhadores, sendo que 850 deles (12%)
apresentaram valores
leucocitários abaixo de 5.000 e/ou neutrófilos abaixo de
2.500 e, segundo o protocolo adotado foram classificados
como “suspeitos”. Esses
850
trabalhadores realizaram mais uma série de três hemogramas
consecutivos, dos quais 216 mantiveram-se com valores leucocitários
abaixo de 4.000 e/ou número de neutrófilos menor
que 2.000, e/ou série histórica
com valores decrescentes, e foram
classificados como “casos epidemiológicos”.
A distribuição destes 216 trabalhadores
classificados como “casos
epidemiológicos” revela que 92,6% são do sexo masculino, e
a média de idade encontrada foi de 36 anos. Quanto à lotação
na empresa, 49,5% dos casos trabalhavam na produção,
34,7% na manutenção e 15,8%
na administração. Cerca de 2/3 do contigente dos trabalhadores
classificados como caso exerciam uma das seguintes
funções: operador
industrial, encanador/caldeireiro, analista e auxiliar de
laboratório, eletricista, auxiliar de serviços gerais, técnico
de manutenção e mecânico industrial. A
existência
de 34 trabalhadores nesse
grupo entre os que desempenhavam apenas funções
administrativas, pode ser indicativo de uma contaminação
ambiental mais ampla, o
que necessita ser melhor investigado através de avaliações
ambientais metodológicamente confiáveis. O tempo médio no
emprego atual encontrado foi de 9(nove) anos,
reforçando a correlação
entre tempo de exposição e
o
surgimento
de
alterações
hematológicas.
Para
todos esses 216 trabalhadores classificados como
caso caracterizou-se
evidente exposição ocupacional ao benzeno, sendo que
todos foram afastados
da exposição e encaminhados ao Instituto Nacional de Seguro
Social (INSS), através da emissão da Comunicação de
Acidente de Trabalho - CAT. Esses
trabalhadores foram submetidos a criteriosa investigação
hematológica e tiveram reconhecido, pela perícia médica
do INSS, o nexo causal para benzenismo. Além disso,
o acompanhamento
hematológico prospectivo vem
sendo realizado em todos os trabalhadores com nexo causal
estabelecido.
Os
resultados apresentados no presente estudo são corroborados por
um outro estudo realizado em 1992 que mostrou que o número de casos
de doenças hematológicas graves encontradas entre os trabalhadores
do Complexo Petroquímico de Camaçari expostos ao benzeno, indica
uma ocorrência destas doenças acima da esperada,
principalmente da anemia aplástica, seguida das leucemias. (22)
CONCLUSÕES
Os
efeitos mielotóxicos e carcinogênicos do benzeno já estão
bem estabelecidos por inúmeros estudos
epidemiológicos, a maioria deles
relacionados com exposição industrial.
No
Brasil, em levantamento referente o período de 1983 a 1993,
realizado pelo Ministério do Trabalho, foram
identificados 3.331 casos
de trabalhadores afastados por
benzenismo.
A
maior parte desses casos tem origem nas indústrias siderúrgicas
e petroquímicas da Região Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro,
Minas Gerais e Espírito Santo), do Rio Grande do Sul e
da Bahia.
A
análise dos dados coletados neste estudo revela que cerca
de 12% dos 7.356 trabalhadores avaliados apresentou valores
leucocitários abaixo de 5.000 e/ou neutrófilos abaixo de 2.500.
Dentre estes últimos, 216 (2,9% do total avaliado) apresentaram
valor leucocitário abaixo de 4.000 e/ou neutrófilos abaixo de 2.000
e/ou valores decrescentes ao longo do tempo observados nas séries
históricas de hemogramas. Para
estes, caracterizou-se evidente
exposição ocupacional ao benzeno, sendo que todos os 216
trabalhadores foram afastados da exposição, com emissão da
Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), seguida de
encaminhamento para investigação hematológica mais
aprofundada.
Os
resultados deste trabalho permitem evidenciar o valor do
método de vigilância epidemiológica na fiscalização
trabalhista da área de segurança e saúde no trabalho. São
evidentes as vantagens desta metodologia quando comparada aos
procedimentos burocratizados atualmente adotados
pela inspeção trabalhista dos ambientes de trabalho.
Concretamente, a partir de dois casos fatais de benzenismo
foi possível promover a busca ativa de casos novos em outros
trabalhadores expostos. A ação fiscalizadora,
consubstanciada em um método inerente à prática preventivista,
possibilitou o afastamento de um significativo número de
trabalhadores de ambientes contaminados com benzeno, trabalhadores
estes portadores de lesões precoces e ainda em uma fase em
que há alta probabilidade de reversão da evolução fatal
da enfermidade.